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segunda-feira, 28 de fevereiro de 2011

Transcrição - Entrevista MARCO BUTI (ECA 18/11/08)

(B) A gravura faz parte da formação em arte, é isso que a universidade tem que fazer, apresentar com o devido cuidado tudo o que pode ser vinculado a o meio artístico quer dizer, se a gente considerar que podemos fazer artes plásticas com praticamente tudo, não temos como apresentar tudo mais aquilo que tem uma história mais longa, o que é possível do curso apresentar...às vezes você tem limitações técnicas ou de espaço...
(B) Quando fui aluno da graduação aqui (ECA) não tinha lito, por exemplo, a Regina só conseguiu uma prensa depois que eu já tinha me formado, a lito que geralmente é a forma de gravura que é apresentada por ultimo nas escolas, pois é a mais cara, mais complexa e você precisa de técnico especializado mesmo, precisa das pedras... Eu voltei para fazer o curso de lito com a Regina depois que tinha me formado por que queria conhecer.
(B) Hoje temos um ateliê praticamente completo, mais que vive de doações as prensas, algumas pedras e um esforço de muitos anos para melhorar os equipamentos...
(B) Agora um mestre impressor, nos EUA tem lugares específicos para formar isso como o Tamarind Institute que é ligado a Universidade do Novo México onde só forma dois mestres impressores por ano, mais só em lito, então isso é um negocio que gosto de destacar em minhas aulas... Nas atividades de gravura e nas artes depende do contexto econômico que isso acontece, que na gravura americana ela começa a ter presença, não que não existisse, mais ela começa a se destacar no final dos anos 50 com o pop é ai que vira um grande negocio e o que eles fazem, a gravura americana se erradia a partir da lito e nesse momento eles começam a trazer litógrafos franceses que era o centro da litografia, e esses caras começam a formar técnicos e logo depois formaram o Tamarind Institute... Coisa que nunca aconteceu no Brasil então os grandes impressores que a gente tem se formaram como o Antonio, nos ateliês, no dia a dia tendo o conhecimento a partir de outros artistas e outros impressores...
(M) Você nota algum preconceito dos artistas em relação a os impressores?
(B) Isso é muito da ignorância do artista... Isso é um problema da história da arte e da sociedade, a escravidão imemorial de sub valorizar todo trabalho que é meramente manual, que é uma coisa que não existe, pois não existe trabalho que não envolva procedimento mental e sempre se valoriza tudo que é tido como mais nobre, intelectual, mais isso na gravura esta atualmente sendo revisto embora tenha poucos estudos sobre gravura, pois a gente tem uma história da arte toda calcada em cima da pintura e da escultura, como se isso fosse sempre inevitavelmente obra de um só individuo, coisa que nem sempre é verdade pode ter gente que tenha um papel mais importante que outros mais também não podemos tirar a contribuição dos colaboradores...
(B) Na gravura isso tem sido pesquisado melhor nos últimos anos, tem certos gravadores interpretes, o Argan tem um capitulo muito bom sobre isso naquele livro “Imagem e Persuasão” (O Valor Critico da “Gravura de Tradução”)... Então você pode pensar que isso vai contra os dogmas estabelecidos na arte inclusive modernos e pós- modernos e de repente alguém pode estar inventando muito mais ao estar interpretando uma imagem feita por outro artista ou feita por um anônimo, uma imagem extraída da mídia, sei lá...
(B) Existem documentos com contribuições do gravador e do impressor que são coisas muito interessantes, quer dizer o cara não estava somente repetindo ou seguindo ao pé da letra o que o pseudo artista propôs...    
(B) ...tem um exemplo fantástico aqui na USP e que me fez pensar muito, aqui a gente tem certos tesouros que ninguém conhece, por exemplo, eu dou aula de xilo com um exemplar do Vesalius que ta no museu de anatomia que é um marco na história da gravura e da anatomia, aquilo é fabuloso no ponto de vista da qualidade da xilo... só que no museu do Ipiranga eu descobri algumas poucas referências, mais tem la uma parte do Vesalius que um cara no século XVII interpretou para atender uma solicitação que alias era um agrado político... mais enfim ele pegou do Vesalius mais espetacular onde tem os esqueletos inteiros e as paisagens de fundo e interpretou as 17 pranchas em metal a buril sem se preocupar com a inversão e de uma maneira tão brilhante que aquilo se sustenta como obra autônoma... Muitas das obras feitas em buril seguirão padrões muito definidos e codificados e ele é um burilista fantástico e não é o único exemplo que possa ser citado, às vezes o gravador é mais brilhante que o que ele esta interpretando.
(M) Isso é por que a gravura abre um imenso leque de possibilidades para essas interpretações?
(B) Sim é que pode ser continuamente interpretados de acordo com seus interesses num determinado momento histórico.
(M) No caso então seria na escultura da matriz e não na estampa?
(B) O processo todo, a gente não pode esquecer que a gente usa a palavra gravura, mas é todo um processo, a estampa seria uma parte do processo como a gravação e a gente chama tudo isso de gravura inadvertidamente.
(B) ... negocio de ensinar demais também é um dos enganos da universidade que parece que o conhecimento pode ser transmitido por discursos e livros, mais esse negocio de aprender fazendo é um dos princípios básicos do artesanato, que é muito desvalorizado.
(M) O impressor no caso seria um artesão?
(B) Pois é, a gente nunca de responder essas perguntas de antemão, o artista seria um artesão? Isso também são coisas que existe uma bibliografia interessantíssima e fica de fora da formação do artista.
(M) Como a questão do autodidata.
(B) O autodidata... Talvez todo mundo tenha uma medida de autodidatismo justamente nesta impossibilidade do conhecimento ser transmitido integralmente, por mais que você tenha a transmissão não dá para transmitir tudo e tem um ultimo estagio que é ai que o fazer é fundamental, saber conversar com os materiais, saber observar as reações e deduzir que é um processo intelectual... O que pode ser feito com aquilo, como é que você pode induzir aquilo a se comportar de uma certa maneira, respeitando as possibilidades que oferecem, as exigências que eles fazem com quem queira trabalhar com eles é uma base também da ciência né, você não vai fazer o que bem entender com qualquer material.
(B) É ai que o artesanato é um dos fundamentos da ciência, também o artesanato ele é desvalorizado e muitas vezes ele é reduzido a o cara que tem um certo treinamento e uma habilidade manual, mais isso nunca foi o suficiente para resolver nada sem o conhecimento dos materiais e isso é um fundamento da ciência... Um cara que tem esse conhecimento quando a ciência se organiza a pesquisar mais sistematicamente o mundo físico era o artesão, inclusive o artista era o cara que fundia, que trabalhava com ferramentas, tudo isso pra começar é profundamente cultural né... É algo que mesmo que o cara não usava o molde do conhecimento cientifico de hoje, era o conhecimento real, necessário para fazer instrumentos de toda ordem... O conhecimento que em grande parte é transmitido através das corporações de oficio ou até de pai para filho, mais as próprias corporações consideravam o bom aprendiz o que se tornava mestre, alguém que fazia algo por si mesmo, no final ia alem e por isso ele se tornava mestre, ele era capaz de descobrir aquilo que o mestre não podia transmitir ou não queria né... Essas corporações não eram nenhum paraíso, eram monopólios que você criava de uma certa profissão, era cheio de relações de parentesco, um mestre casando com a filha do aprendiz, ou o aprendiz casando com a filha do mestre... Coisa fechada.
(B) Mais o principio de aprender fazendo é fundamental, e continua valendo hoje para tudo que você faz, mesmo no computador se você não se dispuser a ficar um tempo em cima, errando e aprendendo, criando suas próprias relações mentais com esse equipamento de alcance tão amplo, você sempre vai se limitar a aprender aquelas coisinhas codificadas que resolvem no dia a dia, ou nem isso resolvem, mais quando você tem
um trabalho de maior exigência seja la qual for, não necessariamente artística você precisa ter um conhecimento que depende muito do teu envolvimento de tua curiosidade e da tua disposição.
(B) Somente na pratica é que você consegue aplicar esse conhecimento que foi transmitido... Por isso que dentro da minha aula e a do Claudio e também na do Jardim procuramos mostrar os processos históricos da gravura no próprio ateliê, para que isso se associe imediatamente as praticas, ir para outro lugar explicar uma coisa e depois voltar para o ateliê, não é tudo junto por que se você conhece o que aconteceu na gravura no século XV, não é para repetir aquilo é para fazer algo hoje, conhecer aqueles princípios extremamente bem exemplificados de alguns artistas em obras de invenção, de interpretação, às vezes de copia, dentro da interpretação da copia tem um monte de níveis, dá para descriminar isso né, então ao você fazer uma gravura você precisa do conhecimento histórico e teórico, trazer para cá esse conhecimento da historia da arte que pouco aborda esse campo mas qual esta em dialogo constante, você precisa ter esse conhecimento técnico, pratico e precisa também de um tempo sozinho no ateliê se quiser fazer alguma coisa e resolver do seu jeito, pois tudo que foi transmitido não quer dizer que vai funcionar satisfatoriamente pra você num curso de gravura... Eu acho que é tão importante a aula propriamente dita com a presença de um professor, do técnico e do aluno, o trabalho do aluno sem o professor mais com o técnico e em outros horários o trabalho do aluno sem ninguém no ateliê para ajudá-lo, todas essas coisas são necessárias para formar alguém realmente habilitado e treinado para trabalhar com gravura de fato, por que tem esse algo ponderável na historia do artesanato principalmente na Itália onde se tem a palavra “mister” que é equivalente a “fazer, oficio” e se confundia muito com mistério, parecia algo que o cara aprendia mais que não podia ser ensinado por que era vital para ele se tornar um mestre. Mesmo quando existe a boa vontade do mestre ensinar o aprendiz não dá para ensinar tudo ate o fim pois depende do outro né... E se o cara não se satisfez com o que foi transmitido, ai ele vai em busca de novas experiências, busca um conhecimento que jamais pensou em fazer e que deve ter um caminho mais eficiente ou com maior carga poética, ou mais simples... Por que essas coisas são opostas isso funciona tudo em conjunto e é de difícil análise, tem um monte de operações visíveis, materiais, pesadas e sujas simultâneas a um monte de processos mentais invisíveis.
(M) Nesta relação de pratica o técnico chega a sair na frente, pois ele vivencia mais operações?
(B) De acordo com as condições disponíveis em cada lugar, porque a gente muitas vezes, quase sempre, trabalha com muito menos recursos do que um ateliê americano, europeu ou japonês... E uma realização precária em arte não é realização nenhuma.
(M) a gravura no cenário das artes plásticas é uma forma de arte “marginalizada”?
(B) Isso foi construído a partir do Vasari onde ele só cita a gravura na vida do Marco Antonio Raimondi que foi um gravador, mais ele fala também de um monte de gente alem do Raimondi, inclusive ele reconhece a qualidade da gravura do Dürer, mais ele mostra como isso funcionava mais em rede nesta época, ai ele se propõe a construir o que? A vida dos mais excelentes pintores, escultores e arquitetos, então foca tudo naquela figura única que seria interessante, agora fazer um estudo para ver quantos fizeram as coisas pessoalmente e também mesmo que tenham feito pessoalmente o quanto cada artista não depende de todos os outros, que existiam as influencias que vem e que vinham já nesta época em grande parte através das gravuras e isso é uma coisas que deve ser estudada, pois o que seria da pintura se não tivesse havido a partir de um certo tempo a estampa?
(B) A circulação de imagens na Europa por exemplo: Rubens, Ticiano,o próprio Rafael que é o protótipo disso, aquelas gravuras circulavam ateliês dos outros, eram imitadas pirateadas... então qual o papel disso na evolução da obra única que a gente enfoca também?
(M) mais a gravura teve uma função didática por um certo período de tempo.
(B) Mias na formação do artista era copiar as imagens dos grandes mestres, essas imagens muitas vezes eram gravuras, pois dependendo de onde o cara estava... Para o desenvolvimento da gravura... Por exemplo : Tudo que acontece na internet tem suas raízes nessa multiplicação né... Isso já existia em outra escala de outra forma com copias em papel e matrizes e isso não se limitava a o universo artístico, você não só produzia arte você produzia imagens de toda ordem, eu diria que essas imagens mudaram o mundo muito mais que a arte, principalmente em relação à obra única que por definição não pode ter um alcance tão grande a não ser que este alcance seja multiplicado por algum tipo de reprodução e hoje em dia não vai ser a gravura obviamente que não tem este alcance, mais pode muito bem ver um quadro em uma coleção particular e se o cara não for tão mesquinho que não permita a reprodução você pode se apaixonar por uma obra que talvez você nunca vai ver ao vivo, não se sabe se algum dia a gente vai ter acesso mais democrático a isso... Então a obra única por outro lado também não existe, ela cria uma série de ressonâncias visuais inclusive que hoje em dia são muito fáceis e amplas, mais que numa escala menor e numa sociedade menos numerosa existiam um bom numero de obras através da interpretação dos gravadores, replicas e impressões... Eu estou falando da gravura por que conheço o campo mais também teve outras artes que não foram valorizadas Poe exemplo: a tapeçaria que tem obras maravilhosas e que a gente não conhece, tantas obras de iluminuras, ai você vai associar a historia do livro, o livro manuscrito e depois o livro impresso que às vezes continua contendo iluminuras que depois serão substituídos por gravuras, e isso o que que é? Uma obra de arte? Um objeto? O que é isso?
(B) Isso se estuda muito menos na historia de arte, e tem coisas muitíssimo mais interessantes que é a maior parte das pinturas que circulam pelo mundo... Então eu ainda acho que a historia da arte esta por ser feita, muita coisa tem que ser revista para ficar mais claro e para não cometer injustiça nenhuma e nem favorecimento...
Se você pega o século XVIII você não vai ter como não dizer que um dos maiores artistas é o Piranesi e não é um pintor e nem um escultor, se você pegar a gravura na Franca no século XIX é muito mais importante do que a escultura, era uma produção gráfica enorme de inventividade e experimentalismo e a escultura no século XIX vai aparecer no final com Rodin e outros, ai começa a tomar proporções, mais muito mais secundário em relação à pintura naquele período, essas coisas que deveriam ser mais claras... Inclusive as manifestações mais cotidianas das artes aplicadas, a gente tem obras importantíssimas em ourivesaria por exemplo... E tudo isso visto através de uma historia da arte focada a partir de uma obra única privilegiada onde era feita para que uma única pessoa possuísse e vice, acaba ficando destorcido né...
ECA - USP
 

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